A Indispensabilidade do Registro do Contrato de Compromisso de Compra e Venda: Segurança Jurídica e Efetividade nos Negócios Imobiliários


Palavras-chave: Contrato de Compromisso de Compra e Venda, Registro de Imóveis, Segurança Jurídica, Adjudicação Compulsória, Adjudicação Compulsória Extrajudicial, Direito Real à Aquisição, Oponibilidade Erga Omnes, Lei de Registros Públicos, Código Civil, Lei nº 14.382/2022, Princípio da Concentração na Matrícula.


Introdução

O mercado imobiliário brasileiro, com sua dinâmica e complexidade, exige dos seus partícipes – sejam eles compradores, vendedores, investidores ou profissionais do direito – uma atenção redobrada aos instrumentos jurídicos que formalizam as transações. Dentre eles, o contrato de compromisso de compra e venda desponta como uma figura central, frequentemente utilizada como etapa preliminar à escritura definitiva. Contudo, a simples assinatura deste contrato, desacompanhada de seu devido registro no Cartório de Registro de Imóveis, pode expor os contratantes a riscos significativos, mitigáveis pela publicidade e oponibilidade conferidas pelo ato registral. As recentes inovações legislativas, como a adjudicação compulsória extrajudicial, reforçam ainda mais a importância de se compreender o papel do registro nesse contexto.

O presente artigo visa demonstrar a crucial necessidade e as vantagens do registro do contrato de compromisso de compra e venda e instrumentos análogos, analisando o panorama legislativo e jurisprudencial que o cerca.

O Contrato de Compromisso de Compra e Venda e a Formalidade Essencial da Escritura Pública

Inicialmente, é fundamental compreender a natureza do contrato de compromisso de compra e venda. Trata-se de um contrato preliminar por meio do qual as partes se obrigam a celebrar um contrato futuro e definitivo – a compra e venda – mediante o cumprimento de certas condições, usualmente o pagamento do preço.

O Código Civil brasileiro, em seu artigo 108, estabelece uma regra fundamental para a validade dos negócios jurídicos que envolvam direitos reais sobre imóveis:

Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.

Este dispositivo legal deixa claro que, para a efetiva transferência da propriedade de imóveis com valor maior que trinta salários mínimos, a escritura pública é um requisito de validade. O compromisso de compra e venda, por si só, não transfere a propriedade, mas gera direitos obrigacionais entre as partes e, quando registrado, um direito real à aquisição do promitente comprador (art. 1.417 do Código Civil).

A Previsão Legal do Registro do Compromisso de Compra e Venda e Instrumentos Correlatos

A Lei nº 6.015/1973, conhecida como Lei de Registros Públicos (LRP), detalha os atos que devem ser levados a registro ou averbação no Registro de Imóveis. O artigo 167, inciso I, é pródigo ao elencar diversas situações contratuais passíveis de registro, conferindo-lhes maior robustez jurídica. Dentre elas, destacam-se:

Art. 167 - No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos. I - o registro: (...) 9) dos contratos de compromisso de compra e venda de cessão deste e de promessa de cessão, com ou sem cláusula de arrependimento, que tenham por objeto imóveis não loteados e cujo preço tenha sido pago no ato de sua celebração, ou deva sê-lo a prazo, de uma só vez ou em prestações; (...) 18. dos contratos de promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de unidades autônomas condominiais e de promessa de permuta, a que se refere a Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964, quando a incorporação ou a instituição de condomínio se formalizar na vigência desta Lei; (Redação dada pela Lei nº 14.382, de 2022) (...) 20) dos contratos de promessa de compra e venda de terrenos loteados em conformidade com o Decreto-lei nº 58, de 10 de dezembro de 1937, e respectiva cessão e promessa de cessão, quando o loteamento se formalizar na vigência desta Lei; (...) 30. da permuta e da promessa de permuta; (Redação dada pela Lei nº 14.382, de 2022)

Esta ampla gama de previsões legais para registro é de suma importância, pois confere aos respectivos contratos, uma vez registrados, eficácia erga omnes, ou seja, oponibilidade contra terceiros. Sem o registro, o contrato gera efeitos primordialmente entre as partes contratantes (eficácia inter partes).

Com o registro, o promitente comprador (ou permutante) passa a deter um direito real de aquisição sobre o imóvel, conforme dispõem os artigos 1.417 e 1.418 do Código Civil:

Art. 1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel.

Art. 1.418. O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel.

Assim, o registro assegura ao promitente comprador o direito de obter a escritura definitiva e, consequentemente, a propriedade do imóvel, mesmo que o promitente vendedor se recuse ou que terceiros venham a adquirir direitos sobre o bem posteriormente ao registro do compromisso.

Consequências Práticas e Vantagens do Registro

As vantagens de se registrar o contrato de compromisso de compra e venda são inúmeras e impactam diretamente a segurança jurídica do negócio:

  • Direito Real à Aquisição: Como mencionado, o registro transforma o direito pessoal do promitente comprador em um direito real, munindo-o de maior proteção.
  • Oponibilidade a Terceiros (Eficácia Erga Omnes): O direito do promitente comprador registrado prevalece sobre eventuais alienações ou onerações posteriores do imóvel feitas pelo promitente vendedor a terceiros que não constem da matrícula. Se o vendedor, por má-fé, vender o mesmo imóvel a outra pessoa, o promitente comprador com contrato registrado terá preferência.
  • Adjudicação Compulsória: Da Via Judicial à Facilidade Extrajudicial: Em caso de recusa do promitente vendedor em outorgar a escritura definitiva após o cumprimento das obrigações pelo comprador (notadamente o pagamento do preço), este poderá buscar a adjudicação compulsória. Tradicionalmente, essa via era exclusivamente judicial. A Súmula 239 do STJ, inclusive, estabelece que "O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis", o que se refere à ação entre as partes. Contudo, é crucial notar que, para oponibilidade a terceiros e para a constituição do direito real, o registro é fundamental. Uma inovação legislativa de grande impacto, trazida pela Lei nº 14.382/2022, foi a introdução da adjudicação compulsória extrajudicial, prevista no artigo 216-B da Lei de Registros Públicos:

    Art. 216-B. Sem prejuízo da via jurisdicional, a adjudicação compulsória de imóvel objeto de promessa de venda ou de cessão poderá ser efetivada extrajudicialmente no serviço de registro de imóveis da situação do imóvel, nos termos deste artigo. § 1º São legitimados a requerer a adjudicação o promitente comprador ou qualquer dos seus cessionários ou promitentes cessionários, ou seus sucessores, bem como o promitente vendedor, representados por advogado, e o pedido deverá ser instruído com os seguintes documentos: I - instrumento de promessa de compra e venda ou de cessão ou de sucessão, quando for o caso; II - prova do inadimplemento, caracterizado pela não celebração do título de transmissão da propriedade plena no prazo de 15 (quinze) dias, contado da entrega de notificação extrajudicial pelo oficial do registro de imóveis da situação do imóvel, que poderá delegar a diligência ao oficial do registro de títulos e documentos; III - ata notarial lavrada por tabelião de notas da qual constem a identificação do imóvel, o nome e a qualificação do promitente comprador ou de seus sucessores constantes do contrato de promessa, a prova do pagamento do respectivo preço e da caracterização do inadimplemento da obrigação de outorgar ou receber o título de propriedade; IV - certidões dos distribuidores forenses da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente que demonstrem a inexistência de litígio envolvendo o contrato de promessa de compra e venda do imóvel objeto da adjudicação; V - comprovante de pagamento do respectivo Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI); VI - procuração com poderes específicos. § 2º O deferimento da adjudicação independe de prévio registro dos instrumentos de promessa de compra e venda ou de cessão e da comprovação da regularidade fiscal do promitente vendedor. § 3º À vista dos documentos a que se refere o § 1º deste artigo, o oficial do registro de imóveis da circunscrição onde se situa o imóvel procederá ao registro do domínio em nome do promitente comprador, servindo de título a respectiva promessa de compra e venda ou de cessão o instrumento que comprove a sucessão.

    Este procedimento extrajudicial representa um avanço significativo, oferecendo uma alternativa mais célere e, potencialmente, menos onerosa para a obtenção da propriedade. É notável que o §2º do art. 216-B dispense o prévio registro do compromisso para a adjudicação extrajudicial específica e a comprovação da regularidade fiscal do vendedor. Contudo, reitera-se que a ausência do registro inicial do compromisso priva o comprador das demais seguranças jurídicas ao longo da relação contratual, como a oponibilidade a terceiros. A adjudicação, seja judicial ou extrajudicial, é um remédio para a recusa na outorga da escritura, mas o registro prévio do compromisso é a medida preventiva que confere maior tranquilidade e segurança durante todo o período contratual.
  • Proteção contra Penhoras e Indisponibilidades: Embora a Súmula 84 do STJ admita embargos de terceiro fundados em posse advinda de compromisso não registrado (como veremos adiante), o registro prévio do compromisso de compra e venda na matrícula do imóvel dificulta significativamente que penhoras ou indisponibilidades decorrentes de dívidas do vendedor atinjam o bem prometido à venda, pois a publicidade do ato registral evidencia o direito expectativo do comprador.
  • Segurança para o Vendedor em caso de Inadimplência: A Lei nº 14.382/2022 também introduziu o artigo 251-A na Lei de Registros Públicos, estabelecendo um procedimento extrajudicial para o cancelamento do registro do compromisso de compra e venda em caso de inadimplemento do promitente comprador. Esta inovação trouxe maior celeridade e eficiência para o promitente vendedor reaver a plenitude de seus direitos sobre o imóvel, caso o contrato esteja registrado.

A Imperiosa Necessidade de Diligência Prévia: Investigando o Vendedor e o Imóvel

A celebração de um compromisso de compra e venda, mesmo com a intenção de registro, não exime as partes, especialmente o comprador, da responsabilidade de realizar uma profunda diligência prévia (due diligence). Essa investigação abrange tanto a situação jurídica do imóvel quanto a idoneidade do vendedor.

É crucial verificar a matrícula atualizada do imóvel no Cartório de Registro de Imóveis competente para atestar sua titularidade, a existência de ônus reais (hipotecas, penhoras, usufrutos), ações judiciais reais ou pessoais reipersecutórias, e outras restrições.

Paralelamente, a investigação sobre o vendedor é indispensável. A existência de dívidas trabalhistas, cíveis ou fiscais em nome do alienante pode configurar um risco substancial ao negócio. Caso o vendedor possua débitos significativos e aliene seus bens de forma a se tornar insolvente, a transação pode ser questionada por credores sob a alegação de fraude contra credores (art. 158 e seguintes do Código Civil) ou fraude à execução (art. 792 do Código de Processo Civil).

No âmbito tributário, o Código Tributário Nacional (CTN) é taxativo em seu artigo 185:

Art. 185. Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu comêço, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa. (Redação dada pela Lcp nº 118, de 2005) Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica na hipótese de terem sido reservados, pelo devedor, bens ou rendas suficientes ao total pagamento da dívida inscrita. (Redação dada pela Lcp nº 118, de 2005)

Portanto, a obtenção de certidões negativas de débitos fiscais (federais, estaduais e municipais), trabalhistas e de protestos, além de certidões dos distribuidores cíveis, é medida de prudência inafastável.

O Reconhecimento de Firmas e a Data da Transação

Outra prática recomendável, embora não substitua o registro, é o reconhecimento das firmas das partes em cartório de notas no momento da assinatura do contrato de compromisso de compra e venda. Este ato confere maior segurança quanto à autenticidade das assinaturas e estabelece um marco temporal mais fidedigno para a transação. Em situações onde o contrato não é levado a registro imobiliário, o reconhecimento de firmas pode ser um elemento probatório importante para demonstrar a data em que o negócio foi celebrado, o que pode ser relevante em disputas judiciais, como em embargos de terceiro.

A Súmula 84 do STJ e o Princípio da Concentração na Matrícula (Lei nº 13.097/2015)

Um ponto que frequentemente gera debates é a coexistência da Súmula nº 84 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) com legislações posteriores que buscaram fortalecer o princípio da concentração dos atos na matrícula do imóvel. A Súmula 84 dispõe:

SÚMULA N. 84 STJ - É admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro.

Esta súmula, editada em 1993, protege o promitente comprador de boa-fé que, mesmo sem ter registrado o compromisso, exerce a posse sobre o imóvel e se vê ameaçado por constrições judiciais decorrentes de dívidas do vendedor.

Contudo, a Lei nº 13.097/2015, posteriormente alterada pelas Leis nº 14.382/2022 e, mais recentemente, pela Lei nº 14.825/2024 (que alterou o art. 54), buscou consagrar o princípio da concentração na matrícula. Conforme o artigo 54, §1º, da Lei nº 13.097/2015:

Art. 54. (...) § 1º Não poderão ser opostas situações jurídicas não constantes da matrícula no registro de imóveis, inclusive para fins de evicção, ao terceiro de boa-fé que adquirir ou receber em garantia direitos reais sobre o imóvel, ressalvados o disposto nos arts. 129 e 130 da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, e as hipóteses de aquisição e extinção da propriedade que independam de registro de título de imóvel. (Renumerado do parágrafo único com redação dada pela Lei nº 14.382, de 2022).

Essa disposição legal visa conferir maior segurança jurídica ao tráfego imobiliário, estabelecendo que, em regra, apenas os atos registrados ou averbados na matrícula do imóvel são oponíveis a terceiros de boa-fé. Embora a jurisprudência ainda busque harmonizar a Súmula 84 com o princípio da concentração, e a própria adjudicação extrajudicial no §2º do art. 216-B da LRP dispense o registro prévio do compromisso para aquele fim específico, a tendência legislativa é clara no sentido de valorizar a publicidade registral para a segurança jurídica global.

Nesse contexto, confiar unicamente na Súmula 84 do STJ para a proteção geral do direito do promitente comprador representa um risco considerável. A ausência do registro fragiliza a posição do promitente comprador perante terceiros adquirentes de boa-fé ou credores do vendedor, podendo gerar longas e custosas disputas judiciais. O registro, por outro lado, confere uma proteção robusta e preventiva.

Conclusão

O contrato de compromisso de compra e venda e seus congêneres são ferramentas valiosas nos negócios imobiliários, servindo como um elo seguro entre a negociação inicial e a transferência definitiva da propriedade. No entanto, sua eficácia plena e a segurança jurídica que deles se espera estão intrinsecamente ligadas ao seu registro no Cartório de Registro de Imóveis.

O registro confere publicidade, oponibilidade erga omnes, direito real à aquisição ao promitente comprador e, inclusive, mecanismos mais céleres para a resolução contratual em caso de inadimplência ou para a efetivação do direito à propriedade, como demonstram os procedimentos extrajudiciais previstos nos arts. 216-B e 251-A da LRP.

Em um cenário jurídico que cada vez mais prestigia o princípio da concentração dos atos na matrícula, negligenciar o registro do compromisso de compra e venda é assumir riscos desnecessários que podem comprometer o investimento e a tranquilidade das partes envolvidas. A diligência na análise documental do imóvel e do vendedor, somada à formalização do negócio por meio de um contrato bem redigido e, fundamentalmente, ao seu tempestivo registro, são os pilares para uma transação imobiliária segura e bem-sucedida no Brasil. Advogados e partes devem, portanto, priorizar essa formalidade essencial, garantindo a proteção de seus direitos e a estabilidade das relações negociais desde o início da transação.


André Luiz Guella
OAB/SC 22.640

Fernanda Salete Guella
OAB/SC 27.534

Chapecó-SC, 26 de maio de 2025.